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TRILOGIA DA GUERRA c/ Grupo Teatro do SOM encenação de Norberto Barroca
Texto de Norberto Barroca |
Depois de em 1992 ter iniciado a minha colaboração com o Sport Operário Marinhense encenando teatro no Auditório José Vareda, muitos anos passaram e também muitos espectáculos estreei com o Grupo de Teatro do S.O.M. Desde A Soprar se vai ao longe e A Bruxinha que era Boa passaram por este palco peças de teatro que prestigiaram este grupo com quem sempre tive prazer de colaborar.
Apresentei grandes autores clássicos portugueses como Gil Vicente e António José da Silva e também António Ferreira e Luís de Camões. No Auditório José Vareda foram levados à cena outros importantes textos com direcção de outros encenadores que continuaram a prestigiar este Grupo de Teatro. Nos últimos anos fizeram êxito neste palco as comédias Inspector / Impostor, baseado em Nicolau Gogol, autor russo do século XIX e O Amigo de Peniche dos comediógrafos portugueses do início do século XX, Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos, que encenei. Depois brincámos com O Riso da Crise num despretensioso espectáculo de café-concerto, enquanto o Auditório estava em obras. Agora, com a sala remodelada, também este Grupo de Teatro deve levar mais adiante o prestígio que alcançou, por isso propus que fossem representados textos de outros importantes autores do teatro clássico e moderno, confiando que estejam à altura dessa responsabilidade.
Porquê a guerra como tema deste espectáculo? Porque vivemos num mundo sempre em guerra “há centenas e centenas de anos”, falar da guerra é um lugar-comum recorrente no nosso quotidiano. E como não a podemos evitar também não a podemos ignorar. Por isso, apresentamos 3 “soluções” para acabar com a guerra de 3 grandes autores do teatro europeu.
Tudo começa por simples conflitos originados por coisas simples como uma simples “Gota de Mel”. Abrimos o espectáculo com um coral com esse título, de Léon de Chancerel, que é uma reflexão sobre a guerra que é tão antiga como a humanidade. Depois, um grande clássico grego, Aristófanes, com quem a comédia de crítica social entrou no Teatro. É uma condensação da sua famosa peça Lisístrata, representada ao longo de séculos por todo o mundo, a que damos o título de Guerra de Sexo e que põe em destaque o poder das mulheres no destino dos homens. É um dos primeiros manifestos feministas e é uma crítica aos senhores do mundo e um libelo contra a guerra que continua tão actual nos nossos tempos. Aristófanes com uma linguagem popular e crua, às vezes obscena, mostra o homem “escravo dos seus desejos” e o poder da mulher que o pode vencer fazendo “greve de sexo”. Pelo amor se pode vencer a guerra. A mesma luta que nos anos 60 da nossa era foi empreendida pelo movimento “hippie” – “Make love not war”.
A terminar esta Trilogia da Guerra, apresentamos a comédia Piquenique na Guerra de Fernando Arrabal, um importante autor moderno do “teatro do absurdo” e do “teatro da crueldade” que desmonta o absurdo da guerra com uma surpreendente e uma amarga ironia,
São 3 textos diferentes, de épocas diferentes, sobre o mesmo tema que neste espectáculo têm traços comuns. Desde as máscaras da tragédia grega que identificam o “coro” até aos capacetes de guerra que identificam os soldados; desde o uso de paus como armas de ataque até às flores que simbolizam a paz e se oferecem aos mortos vítimas da guerra.
Afinal, por que são feitas as guerras? O que motiva os confrontos entre os povos? Acima de ideais económicos, ou políticos, ou religiosos, deveria estar a concórdia, a solidariedade e a paz.
Para mim é um prazer renovado estar de novo no Sport Operário Marinhense, colectividade que conheço desde que nasci, que frequentei desde sempre, pois o meu pai foi um dos seus sócios fundadores, e de que cheguei a fazer parte dos corpos sociais; neste Auditório que vi nascer pela iniciativa e espírito empreendedor, pelo amor à cultura e à sociedade, pelo sonho dum homem que foi meu grande amigo de infância e que leva o seu nome. Obrigado Zé Vareda!
Para que fosse possível este espectáculo, agradeço a colaboração da Direcção do S.O.M., do seu Presidente e dos seus colaboradores. Do Afonso Henriques, pela colaboração prestada. E também da Olga Franco, da Ana Santo, do José Carlos Duarte e do Tiago Ferreira, autores das canções, da Anabela Cantanhede, do José Nobre, do Guto Silveira, do Emanuel Marques, do Carlos Martins, do Mário Dias Garcia, autor dos figurinos a quem agradeço a colaboração desinteressada e amiga, assim como dos dedicados actores, alguns companheiros desde o A Soprar se vai ao longe que, espero, neste palco possam ir ainda mais longe.
NORBERTO BARROCA, Maio de 2015
(Textos escritos com a grafia antiga por opção do autor)
LÉON DE CHANCEREL (1886-1965) – autor e encenador francês, aluno do mestre Jacques Copeau. Pioneiro da educação dos jovens pelo teatro, influenciou o teatro amador e os métodos de formação de actores através da expressão corporal e da improvisação, segundo o método de Stanislavski que traduziu. Pela sua acção nasceram os primeiros centros dramáticos franceses, com companhias de teatro para a juventude.
Escreveu o coral dramático Gota de Mel, uma parábola que é uma reflexão sobre a guerra e os seus motivos e que nos alerta para os seus efeitos nefastos e a necessidade da paz. As maiores tragédias pessoais ou universais podem começar por um motivo simples, como uma gota de mel.
Este poema, em 1953 foi representado no primeiro espectáculo do Teatro Experimental do Porto, sendo proibido pela censura salazarista no período da guerra colonial.
ARISTÓFANES (445 antes de Cristo – 386 a. C.) – comediógrafo grego, representante da comédia antiga que chegou aos nossos dias. Da tragédia grega extraiu o ritmo, acrescentando a piada, a crítica, a fábula, a sentença. Reinventou o teatro na sua forma de comédia que denuncia erros e vícios. Nas suas comédias defende os valores democráticos, as virtudes cívicas e a solidariedade social. Satírico violento, critica a impostura, os abusos do poder e a corrupção da sociedade em que viveu. “A sua verve, a sua mordacidade, a sua alegria épica, a sua saborosa familiaridade, o vigor do seu lirismo, tudo alimenta uma imaginação cómica que parece não ter sido ultrapassada” (Léon Moussinac – História do Teatro). De uma maneira mordaz, Aristófanes critica e ridiculariza a sociedade, atingindo políticos, filósofos, juristas, cidadãos ilustres e também cidadãos comuns e até os grandes clássicos gregos. Nenhuma ameaça o detinha e desprezava as perseguições de que era alvo. O povo admirava-o e amava-o, por ele retratar a sua vida, exprimir os seus sentimentos, os seus amores, os seus ódios, as suas revoltas e aspirações, defendendo os seus interesses contra os demagogos e os políticos.
Durante a Guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta, Aristófanes travou grande luta pela paz, denunciando a traição e os abusos de toda a ordem. Na comédia Lisístrata, faz uma crítica à guerra, num entrecho de desenvolvimento irónico e divertido em que defende o poder da união, contra a guerra a favor da paz. Lisístrata reúne as mulheres das cidades da Grécia e convence-as a recusaram as manifestações de amor dos seus maridos enquanto eles não puserem fim à guerra. Com palavras enérgicas consegue aquilo que nenhum general levara a cabo – a paz.
FERNANDO ARRABAL (1932) – Nasceu em Melila (Marrocos espanhol) mas viveu e desenvolveu a sua actividade literária em França onde, em 1955, se exilou do regime ditatorial franquista “por motivos de liberdade”. Em 1967, numa viagem a Espanha seria julgado pelo regime franquista, estando alguns meses preso. Tendo crescido durante a Guerra Civil de Espanha, viveu também o drama da 2ª Guerra Mundial, o que influenciou a sua obra.
Com Ionesco, Beckett e outros autores de vanguarda, Arrabal, com influências do surrealismo, alinha-se dentro da estética do Teatro do Absurdo. Uma estética irreverente que se define pela confusão, pelo humor, pelo terror, pelo azar, pela euforia. Arrabal inicia ainda uma nova corrente estética – o Teatro Pânico, dentro da linha do absurdo mas definindo-se mais como provocatório. Alia o absurdo com o cruel e adopta a cerimónia como forma de expressão. Ele próprio disse que fazia “do teatro uma festa, uma cerimónia com uma ordem rigorosa”. “Eu sonho com um teatro onde humor e poesia, pânico e amor, sejam apenas um só”.
O teatro de Arrabal “é um teatro de libertação, orientado voluntariamente, não em virtude duma ideologia explícita, mas por uma mera reacção de defesa vital e com a única arma do riso, até à libertação do homem”. (Genevieve Serreau – Primer acto – nº30, Jan.1963)
O Piquenique na Guerra, escrito em 1958, é um episódio narrado em tom burlesco que satiriza e ridiculariza causticamente a inconsistência e o absurdo da guerra. Dois soldados de campos de batalha opostos concluem que nenhum deles compreende o motivo e o sentido da guerra que os opõem como inimigos. Através duma situação absurda, que o cerimonial do quotidiano familiar torna ainda mais incoerente e risível, desenvolve-se um diálogo em que domina o contra-senso que provoca o riso, mas que é uma forma cruel de desmascarar o absurdo da situação – que é a guerra. A solução proposta para acabar com a guerra, por demasiado óbvia é ainda mais absurda e de uma ironia amarga que prepara um desfecho trágico.
Ficha técnica |
Adaptação e Encenação – Norberto Barroca
Canções -
Letra: Olga Franco
Música: Ana Santo José Carlos Duarte e Tiago Ferreira
Voz: Ana Santo
Intérpretes – Adriana Vieira, Ermelinda Silva, Fátima Bonifácio, Inês Machado, Isabel Ferreira, João Rodrigues, José Luís Coelho, José Simão, Leandro Costa, Luís Rosado, Sandra Correia e Sandra Martinho
Figurinos – Mário Dias Garcia
Adereços – Emanuel Marques
Apoio coreográfico – Anabela Cantanhede
Sonoplastia e Tratamento de Imagens – Carlos Carvalho
Desenho de Luz – Guto Silveira
Produção Musical – Carlos Martins
Execução de Guarda-Roupa – Teresa Pinheiro
Apoio técnico: Jorge Pina, José António Carvalho e Natália Rosa
21h30
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